E se as eleições brasileiras fossem como nos EUA?

Estamos às vésperas das eleições para escolha do 46º presidente dos Estados Unidos da América. A disputa calorosa entre Joe Biden (Democratas) e Donald Trump (Republicanos) terá impactos diretos e indiretos nas eleições em diversos países, inclusive no Brasil.

Mas, ao contrário das eleições brasileiras, onde o candidato com a maior parte dos votos válidos (excluindo brancos e nulos) é eleito, nos EUA as coisas funcionam de maneira um pouco diferente.

O colégio eleitoral

Nos EUA, cada estado tem direito a um número específico de delegados, que irão compor o colégio eleitoral. Esse número é igual ao total de representantes do estado nas duas câmaras do país: a Câmara dos Representantes e o Senado.

Cada estado decide como dividirá seus votos. Em 48 deles, vigora o “winner takes all” (o vencedor leva tudo), o que quer dizer que quem vencer no estado ganha a totalidade dos votos dos delegados. Apenas nos pequenos Maine e Nebraska os votos podem ser divididos entre mais de um candidato.

A grande polêmica desse método é que é possível que um candidato seja menos votado nacionalmente, mas vença no colégio eleitoral.

Foi o que ocorreu em 2016, onde a democrata Hillary Clinton teve 65,8 milhões de votos, contra 62,9 milhões do republicano Donald Trump. No colégio eleitoral, todavia, a disputa ficou 304 delegados contra 227 a favor de Trump.

No estado da Flórida, por exemplo, Clinton teve 47,8% dos votos, contra 49% de Trump. Uma diferença mínima, mas que deu ao candidato republicano todos os 29 delegados do estado e deixou a democrata sem nenhum.

Aplicando o modelo no Brasil

Transpor o método americano para o Brasil fazem necessárias algumas adaptações. Primeiro, pois o funcionamento do nosso congresso é diferente. Para achar uma equivalência, vamos considerar que cada estado terá um número de delegados igual à soma do número de deputados federais e de senadores.

Assim, enquanto o mínimo de delegados nos EUA é 3, no Brasil esse número será bem maior: 11 (8 deputados, mais os 3 senadores). É o número de delegados de estados como Amazonas, Amapá ou Mato Grosso. Em contrapartida, enquanto que nos EUA a Califórnia é o estado com maior número de votos (55), no Brasil essa função caberá a São Paulo, com 73 delegados.

Colégio eleitoral no Brasil

Eleições 2018

Nas últimas eleições, marcadas pela polarização política e pelas divisões regionais entre eleitores no Brasil, o candidato do PSL Jair Bolsonaro manteria sua vitória. Ao todo, o representante na extrema-direita galgaria 396 delegados, com vitórias em estados-chave como Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Bolsonaro seria eleito em 2018 com 396 delegados

O candidato do PT, Fernando Haddad, teria 173 delegados, com vitórias expressivas na Bahia e em Pernambuco. O candidato Ciro Gomes (PDT), teria os 25 delegados do estado do Ceará.

Eleições 2014

Em 2014, novamente, o resultado final das eleições pouco seria alterado. Dilma Rousseff (PT) seria eleita com 342 delegados, vencendo, além de nos estados “vermelhos” (Nordeste e Pará), disputas importantes em Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.

Dilma teria vitória mais expressiva sobre Aécio que aquela que ocorreu nas urnas

Aécio Neves (PSDB), apesar da vitória em colégios eleitorais importantes como São Paulo (73 delegados, aqui podendo ser considerado um estado “azul”) e Paraná, somaria apenas 213 delegados. Marina Silva (PSB), terceira colocada, galgaria 39 delegados com as vitórias em Pernambuco e Acre.

Eleições 2010

Em 2010, a vitória da candidata petista Dilma Rousseff seria ainda mais sólida que em 2014. Além de vencer em todos os estados que venceria posteriormente, Dilma venceu em Pernambuco e Espírito Santo, totalizando 383 delegados.

Marina Silva (PV), que alcançou 1/5 dos votos totais nas eleições, teria apenas 11 delegados.

O candidato do PSDB José Serra somaria apenas 200 delegados, mantendo os “blue states” e perdendo em estados-chave. Marina Silva, a despeito que ter alcançado quase 20% dos votos válidos nas eleições, teria apenas 11 delegados do Distrito Federal.

Eleições 2006

Em 2006, apenas dois candidatos dividiriam os delegados do colégio eleitoral: Lula (PT) e Geraldo Alckmin (PSDB). Lula seria eleito com 371 delegados, contra 223 do peessedebista.

Lula venceu no Nordeste e em grande parte do Norte e Sudeste.

É interessante notar que a vitória petista ocorreu mesmo com a derrota no Rio Grande do Sul (swing state). Apenas com a virada em dois outros hipotéticos swing states como Minas Gerais e Rio de Janeiro, ou em apenas um deles e mais alguns estados menores, como Amazonas, Rondônia e Acre, que a vitória de Alckmin seria viável.

Eleições 2002

Apenas nas eleições de 2002, dentre as analisadas, é que teríamos uma mudança no cenário com a adoção do sistema de colégio eleitoral.

A vitória de Luis Inácio Lula da Silva seria ainda brutal: o candidato teria 508 delegados entre os 594 possíveis. O que chama atenção é o derretimento de José Serra, segundo colocado nas urnas (23%) e que chegou a disputar o segundo turno contra Lula, que ocuparia a quarta posição, com apenas 12 delegados do estado do Alagoas.

A vitória esmagadora de Lula (PT) seria acompanhada por um “derretimento” do candidato do PSDB.

Garotinho (PSB) galgaria os 49 delegados do estado do Rio de Janeiro, enquanto que Ciro (PPS), novamente conquistaria os 25 delegados do estado do Ceará.

Os swing, red e blue states no Brasil

Nos EUA, denominam-de red ou blue states estados que historicamente votam sempre no mesmo partido. É um exemplo de red state o Texas e a Lousiana, com voto cativo no candidato republicano, enquanto que a Califórnia e Nova Iorque são blue states, com seus delegados quase sempre garantidos aos democratas.

No Brasil, seria difícil falar com certeza em estados azuis e vermelhos. Apenas se considerarmos as últimas quatro ou cinco eleições (o que dificilmente teria o mesmo peso que o voto histórico cativo de alguns estados americanos, vide a vitória de candidatos de esquerda, como Lula e Brizola, em Santa Catarina, hoje reduto bolsonarista), podemos colocar São Paulo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Santa Catarina, e talvez Roraima, como estados azuis (que, ao contrário dos EUA, estão à direita).

Já no grupo dos estados vermelhos (à esquerda), podemos incluir todos os estados do Nordeste e o Pará – talvez o Tocantins.

Os swing states são aqueles na política americana que pendem em algumas eleições para democratas e, em outras, para republicanos. Por essa característica, geralmente são as principais arenas de combate durante as campanhas: uma vitória neles por 1% pode significar a vitória nacional. É o caso da Flórida, Ohio, Iowa e talvez até da Pensilvânia.

Considerando as últimas eleições, os estados que poderiam receber esses rótulos seriam o Rio Grande do Sul (34 delegados), o Rio de Janeiro (49 delegados) e Minas Gerais (56 delegados), que ora tendem a votos a direita, ora a esquerda.

Concluindo, é claro que não podemos simplesmente transpor a lógica das eleições americanas no Brasil, tampouco estamos afirmando que tal modelo – polêmico – é melhor que o sistema brasileiro. Somente fazemos uma reflexão para tentar imaginar como seriam as eleições presidenciais no país caso adotássemos o sistema de colégio eleitoral.

Com toda a certeza, podemos afirmar que a lógica das eleições seria muito diferente. Estados já cativos seriam deixados de lado na campanha (como Bahia e Paraná), enquanto que aqueles mais indecisos seriam verdadeiras arenas de batalha, onde cada voto contaria para a vitória.

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Meu nome é Fernando Soares de Jesus, natural de Imbituba/SC, geógrafo pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestrando na área de Desenvolvimento Regional e Urbano na mesma instituição. Criei este blog ainda no Ensino Médio, em meados de 2013, com o objetivo de compartilhar e democratizar o conhecimento geográfico, desde o campo físico até o campo humano, permitindo seu acesso de maneira clara e descomplicada.

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